quinta-feira, 17 de junho de 2010

Eu e Dona Idalina


D. Idalina era minha vizinha, no tempo em que eu ainda vivia em Cabo Verde e frequentava o secundário. Mulher de poucas palavras, sempre arrumada e um tanto acanhada. Esposa do senhor Doutor, nunca me senti à vontade quando tinha de ir à casa deles pedir favores. Abria sempre a porta com um ar de quem já andava saturada dos pacientes inesperados e fora de hora que vinham incomodar o tão solicitado marido.

Naquele dia quando fui ao aeroporto buscar D. Idalina que se encontrava de passagem para Cabo Verde, ia no caminho perguntando a mim mesma que tipo de assunto ou conversa teria com aquela mulher. D. Idalina apareceu ao fim de 30 minutos com os olhos fora de órbita, provavelmente a questionar-se se eu estaria de facto à sua espera.

D. Idalina aspira a imigrante. Traz botas, um polóver branco e um ar de quem vem da Europa, da Europa rica e farta em novidades.

D. Idalina aspira a imigrante. D. Idalina gosta de jóias, jóias de ouro. Ouro branco, amarelo!

Tivemos de ir à minha casa deixar as suas malas, pois fazer o check in até São-Vicente era muito arriscado. Corria o risco de perder aquela “equipagem” (como dizia), cheia de novidades, recheada de camisas e cuecas para o Sr Dr… cremes Vichy (“o melhor do mundo”, informou-me), perfumes, blusas de marca!

Seguimos à baixa com a missão de encontrar a Rua da Prata. Pelo caminho informou-me que ia à procura de um solitário. Eu na minha ingenuidade de menina nova e pobre estudante não percebi do que se tratava e nem perguntei. Era só uma questão de tempo e logo ia descobrir. Entramos numa ourivesaria onde vim a descobrir minutos depois que um solitário não é nada mais do que um anel com uma pedra no topo. O homenzinho da loja olhou para D. Idalina com ar de quem encontrou cliente. Com a idade já devia conhecer de longe aqueles que entravam e não saíam de mãos a abanar. É que D. Idalina aspira a imigrante e gosta de ouro! Todos os imigrantes gostam de ouro!

- Quer ouro branco ou amarelo?

- Mistura!

O pobre do homem olhou para mim com ar confuso, provavelmente a pedir ajuda. Eu como não entendo nada de jóias encolhi os ombros e continuei a observar a situação. Lá acabaram por descobrir um solitário cujo design trazia uma parte em ouro branco e outra em amarelo.

D. Idalina comprou 500€ em jóias de ouro: um par de brincos, um anel solitário e um fio. Tudo para ela!

D. Idalina aspira a imigrante, embora ainda com as “brabezas” da terra. Quando o homem da loja lhe informou que o ouro era de segunda mão, deu um grito que tenho de admitir, fez-me corar!

- Segunda mão??!!

O que não sabia era que o ouro de segunda mão não significava valer menos. As jóias apenas pertenceram antes a alguém, mas foram posteriormente polidas, ficando mesmo novas, só que custam um pouco menos (informação do homem da loja). Devia ter ficado contente com o facto, caso contrário teria passado os milhares de euros. Não ficou muito contente, mas seguimos em frente! Mais tarde veio perguntar-me se se tratava de uma loja conhecida, provavelmente a interrogar-se se lhe haviam passado a perna.

Mulher determinada, D. Idalina! Não conhece o caminho, mas segue em frente sem olhar para trás. Quando a porta do metro abre, ela sai e segue em frente pelo caminho que achar melhor, sem perguntar onde deve virar. Passei o dia a gritar “D. Idalina, é por aqui!”

Passamos o resto do dia no Colombo (claro!) onde tentávamos satisfazer os gostos muito específicos de D. Idalina – um par de sapatos cinza e uma blusa cor-de-rosa bebé. Desistimos! Específico demais!!!

Voltamos para casa e durante cerca de meia hora ouvi o ressonar da D. Idalina à medida que tentava, embora em vão ver um filme.

Acordou com um salto às 5h da tarde, pois o voo era às 22:15, mas queria estar no aeroporto às 19h. Ainda pensei fazê-la mudar de ideias e tentar ir um pouco mais tarde, mas já conheço esse tipo e não adianta. Ir mais tarde apenas ia provocar uma onda de ansiedades e sucessivas espreitadelas ao relógio.

Apanhámos um táxi onde de 2 em 2 minutos gritava ao motorista que avançasse, pois tinha um avião para apanhar (há que frisar que as paragens do homem diziam respeito ao congelamento do trânsito e sinais vermelhos!) – pobre homem, se pudesse fazia voar o carro!

Chegamos ao aeroporto às 19:50, fizemos o check-in e despedi-me de D. Idalina que seguiu apressada para a sala de embarque.

É que D. Idalina aspira a imigrante, mas pertence à terra!!!

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