quinta-feira, 24 de junho de 2010

O menino e o Jornal


A maioria dos cenários que descrevo decorrem no metro ou autocarro, porque é o trajecto que faço todos os dias e muitas vezes o momento ideal para olhar à minha volta e observar as pessoas, os seus comportamentos.

Nesse dia o que me chamou a atenção foi uma mulher na casa dos 37 anos que entrou com o filho pequeno. O miúdo não devia ter mais de 4 anos. A mãe entra, senta o filho ao colo e abre o jornal, numa tentativa de se relaxar e informar-se um pouquinho que seja sobre o que se passa no mundo. Com um filho daquela idade, certamente não terá tido tempo no dia anterior para assistir ao telejornal ou qualquer programa transmitido àquela hora. Às 8 da noite, devia estar muito atarefada a dar banho no miúdo, preparar o lanche do dia seguinte, cozinhar o jantar... e, portanto, o único tempo que lhe sobra para estar a par das notícias são esses míseros 15 minutos que faz entre a casa e a creche da criança.

O único problema deste caso é que o miúdo ao sentar-se no colo da mãe, fica mesmo de frente ao jornal e o que ela não contava é que este provocasse nele uma súbita e avassaladora onda de interesse. O miúdo ficou como que petrificado quando a mãe abre o jornal em frente à cara dele e prevejo o que vem a seguir quando o vejo instalar-se mais confortavelmente no colo da mãe. Os olhos dele estão esbugalhados e a cara dele enterrada no jornal. É claro que a partir daí a mãe já perdeu o domínio do seu próprio jornal, que sem ela se aperceber bem, deixou de a pertencer assim que os olhos do filho pousaram nele.
À primeira tentativa para mudar de página o miúdo dá um berro e agarra o jornal pq quer voltar à página anterior. Ela ainda tenta por mais uns minutos, mas ele dá luta e agarra o jornal porque quer ter controlo sobre o mesmo e decidir que páginas quer ver, aquelas que trazem um número maior de figuras e cores.
A mãe ainda pensa lutar, mas está cansada de mais para insistir, já os nervos lhe tomaram conta da pele e desiste. Não quer mais saber do jornal, deixa o miúdo apoderar-se dele e esquece as notícias do mundo. Um dia alguém lhe conta ou então deixa ficar assim. Desliga-se do mundo, vai criar o filho e quando ele crescer e ela tiver paz e sossego, talvez volte a prestar atenção sobre o que se passa e fica a par das notícias.
Olho para ela e esboço um sorriso de cumplicidade. Mas já ela se encontra muito irritada para me devolver o sorriso e tudo o que consegue é rolar os olhos como que dizendo "que Deus me ajude".

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